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sexta-feira, agosto 10, 2012

Dois nomes a confirmar e a descobrir para futuros almoços Formosinho e Rosendo, António Fortes ando á "caça"

Para ajudar à "caça" junto foto da época



1- Rosendo? - era deficiente motor. usava duas canadianas, por ter sofrido de paralisia infantil.Vivia com os avós.

2 - Formosinho - Sanches de apelido. Era filho do arqtº Formosinho Sanches e era amigo do Horácio. Julgo que também se licenciou em arquitectura.

3 - Forte - o Barroso é que sabe alguns pequenos pormenores. Apenas sei que gostava de aviões e julgo que chegou a pilotar.

terça-feira, agosto 07, 2012

DA RÁDIO TRADICIONAL À RÁDIO NOVA


A actividade informativa





A informação, que já se havia revelado ao nível da programação um dos principais meios de refrescamento da rádio, inicialmente ao nível formal e posteriormente também ao nível dos conteúdos, torna-se no principal motor de desenvolvimento do meio radiofónico.
Em 1967, a crítica aplaude «(…) a evolução marcante que se pressente em todos (ou quase) os programas da noite da nossa rádio. Toda a gente parece andar de máquina na mão em busca da notícia. Será que, de repente, a rádio decidiu vir, finalmente, para a rua? Viva a iniciativa e toca a entrevistar.
Neste modelo inclui-se o “PBX” cujos elementos «Dão reportagem. Dão acontecimento. Dão vida. Têm irreverência e atrevimento».
(...)
Ao longo dos anos, a informação “noticiosa” descobrirá a sua compatibilidade com o meio radiofónico e adaptar-se-á a ele, crescendo em quantidade e em qualidade. A rádio revelará as potencialidades da informação e esta as idiossincrasias da rádio, tentando respeitá-las. E se em 1960, o sector da informação parecia à crítica, ainda dedicado ao ostracismo, ganhando apenas vida, normalmente, quando os jornais saíam para a rua, a excepção do “Diário do Ar”, onde alguns dos grandes acontecimentos foram divulgados sem se esperar pela saída dos jornais, como ocorreu com a cobertura da inauguração do metropolitano, em Lisboa, prometia alterações.
Registava-se já o interesse pela exploração da informação na rádio, através de realizações como o “Rádio Jornal”, programa vespertino de duas horas, emitido pelo emissor de Miramar do RCP, entre as 15h15m e as 17h20m, de segunda a sexta-feira, um autêntico jornal radiofónico onde a notícia, a reportagem e a música se conjugam, realizado pelo Radio Press Office (RPO). Esta produtora independente, publicitária, estimulará a produção de carácter informativo. Com a colaboração de Paulo Cardoso, chefe dos serviços de produção, em 1963, a RPO passará pela adopção de uma nova estratégia: «A «Nova Linha» é um estilo novo. Mais sintetizado, mais dinâmico – como a vida actual – mais incisivo». Nela trabalhará Maria Helena Mensurado, a primeira jornalista radiofónica, ao redigir e dar voz aos apontamentos “Primeiras Páginas” do programa “Gazeta da Manhã” e alguns “Falando francamente” de “Os donos da noite”.
A repartição da informação, incluída desde 1957, na direcção dos serviços de programas e, desde 1969, na divisão de programação, vai-se, contudo autonomizando aos poucos dos programas e revelando a importância progressiva dos serviços de noticiários. Inserido neste movimento, Luís Filipe Costa, que havia sido chefe de redacção da Agência de Publicidade Artística (APA), é incumbido por Júlio Botelho Moniz e Álvaro Jorge, director de programas do RCP, de criar um serviço de noticiários apelativo que agradasse aos ouvintes. O objectivo era fundar um serviço concorrente e alternativo à Emissora Nacional, por um lado, e lucrativo, expandindo a publicidade até aos noticiários, por outro.
Iniciado já nas novas instalações da Sampaio e Pina, em 1960, a nova “fábrica de novidades” revolucionará a linguagem radiofónica, tornando obsoletos os noticiários baseados em textos escritos, sem prévio tratamento adequado à linguagem específica da rádio, bem como a simples leitura de notícias ao microfone; para além de encetar um tratamento das informações disponíveis adequado ao “media” radiofónico, era o próprio profissional que as levava ao microfone.
(...)
Em 1962, a “Rádio & Televisão” reportava: «Filipe Costa (e os colegas da equipa dos noticiários seguem o exemplo) transforma, diariamente, as informações das agências que os “Telex” batem a todo o instante, em apontamentos incisivos, vivos, espantosos de precisão e de análise instantânea dos acontecimentos (…). O noticiário das 0.45, valorizado pela própria voz do seu autor, foi, afinal, buscar à linguagem telegráfica o esquema de concepção ideal para uma informação radiofónica, necessariamente rápida, nervosa, concreta». Recolhendo informação, através de telex e/ou de telefone, Luís Filipe Costa introduz a síntese, informação já devidamente seleccionada e tratada, dando corpo a uma nova entidade eminentemente radiofónica, independente quer dos jornais quer das informações escritas, numa «(…) “nova linguagem” informativa, incisiva, directa, última hora», como explicava João Paulo Guerra, um dos elementos da equipa (da qual também faziam parte Adelino Gomes, Cândido Mota, Duarte Ferreira, Fernando Quinas, Firmino Antunes, Joaquim Furtado, Jorge Dias, Manuel Bravo, Moura Guedes, Paulo Fernando e Rui Pedro).
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Conforme a equipa aperfeiçoava a sua técnica de transmitir mais do que um conteúdo numa mesma mensagem, aquele que se noticiava e o que se queria transmitir, as primeiras notícias do dia iam-se tornando numa audição de culto para os ouvintes que, mais atentos, rasgavam nas frechas da informação, através de metáforas, polissemias e justaposições, a contestação ao regime: «Utilizava muitos símbolos, títulos de jornais para começar as notícias. Quando a LUAR assaltou o banco na Figueira da Foz, a notícia foi inicialmente cortada, eu não a podia dar, mas no boletim meteorológico [disse] “então amanhã saiam com gabardinas”. Pausa expressiva. “Mas felizmente há luar!”. E acabou assim o noticiário».
A resposta do “homem-notícia”, como ficara conhecido o chefe dos serviços de noticiários do RCP, constituiria uma profunda transformação da concepção informativa radiofónica, obtendo em 1966, pelos mesmos, o Prémio Ondas, um prestigiado galardão espanhol que se destinava a distinguir os mais destacados profissionais e programas de rádio, que já fora anteriormente atribuído a Maria Leonor, Jaime da Silva Pinto e Mary.
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Em 1964, o “Programa da Noite”, da EN adopta o slogan “As notícias chegam e vão direitas ao seu receptor”: «Deixaram-se para trás as fórmulas tradicionais, rígidas, e talvez um pouco solenes. «Programa da noite», em íntima colaboração com os serviços respectivos da EN, apresenta agora a notícia em cima da hora. Nada de protocolos, a antecipação conta perante a oportunidade que se pode perder». A rádio veste-se de diário sonoro.
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Fernando Peres anota: «Como o diário, a Rádio divulga, informa, aconselha, orienta, critica. A Rádio é a imprensa sem tinta, sem rotativa, que substitui pela voz e pelo som, pela técnica radiofónica de transmissão». O mesmo crítico aponta, ainda, em 1963: «Começa a haver jornalismo na Rádio. Um jornalismo actuante.
Os Repórteres da Rádio estão atentos. Aparecem «em cima do acontecimento». As brigadas de Rádio Clube Português e da RPO têm marcado posição de relevo». O projecto do programa “Contacto”, que veio, efemeramente a substituir o transitório “Europa”, protagonista de uma postura mais descomprimida ao microfone, ia no sentido de ser o primeiro jornal que saía para a rua, com a diferença de não ser escrito, mas falado e com especial ênfase na reportagem.
Contrastando com os serviços próprios do Rádio Clube Português, os noticiários da Rádio Renascença eram baseados na leitura de jornais: «A Renascença nessa altura estava a colar notícias do “Novidades” e do “Diário de Notícias” numa folha, às 12h 45m da tarde, e acabou. Não havia mais nada!».
Será nos anos 70 que a Rádio Renascença tentará lançar um novo serviço informativo, concorrencial ao RCP. Iniciado no dia 16 de Outubro de 1972, foi pela primeira vez transmitido no dia 23 seguinte, prolongando o seu período experimental até ao dia 16 de Dezembro. A Renascença passou, então, a dispor de seis serviços (manhã, almoço, jantar e noite, resumindo as últimas horas, e 11h e 17h, de actualidade). Porém, quer o impulso quer a qualidade será breve; se em Fevereiro de 1973, a equipa, com oito pessoas, menos uma que inicialmente, produzia mais de 200h de informação semanal, quatro meses mais tarde, reduzidos a três pessoas, os serviços produziam 120 horas, sem reportagens e com raros comentários, por sua vez menos ágeis e intervenientes. Desaparecem os apontamentos regulares e diários e de aliciante restava apenas o noticiário das 19h; a falta de recursos humanos especializados era o motivo apontado: «Não existem, neste momento, no meio radiofónico, profissionais preparados para exercer estas funções. Somos obrigados a recrutá-los nos meios jornalísticos, ou entre pessoas sem experiência prévia», explicava João Alferes Gonçalves que assegurava a chefia dos noticiários, após a saída de Carlos Cruz, em Fevereiro.
Por seu lado, a EN, que se tentará afastar da imagem de “diário sonoro do Governo”, reflectirá o peso e a importância da actividade informativa quando introduz os mapa-tipo de 1960 e 1967, este último experimental, altura em que ressurge o “Jornal de Actualidades” às 22h 30, tornando-se definitivo em 1968, quando são ajustados os horários dos então 20 serviços de notícias para intervalos de uma hora, uma consequência da preocupação pelo aumento constante da quantidade de serviços informativos. No início da década de 60, ainda se permitirá reforçar a sua componente de longa duração, reforçada pela variedade: «Eles tinham noticiários impressionantes com a riqueza de registos magnéticos. Gravavam tudo o que era do regime. Os noticiários eram qualquer coisa a sério. O conteúdo é que era aquele que era, mas tecnicamente irrepreensível. Cobriam o regime todo e arredores; as “cidades”, “região”, tudo e mais alguma coisa; bem feito».
No final da década, a Emissora Nacional seguirá antes uma política de maior brevidade ao propor serviços informativos preferencialmente curtos e dinâmicos e quando no final de 1968, Jorge Guerra faz o balanço do ano informativo conclui que há sintomas animadores «de uma maior síntese e tratamento das notícias».
(...)
o início da década de 70, a informação havia adquirido um novo estatuto e uma nova importância: «A Rádio, longe, portanto, de ter esgotado as suas possibilidades, adquiriu pujança e vitalidade, fez-se instrumento activo e indispensável da informação. Adoptou, bem entendido, novas fórmulas. Quer dizer: evolucionou acompanhando a marcha do tempo. Mas nesta transformação não perdeu características nem diminuiu a importância do seu valor social. Teve apenas de se adaptar à sua condição de informadora, deixando de se confinar aos estúdios para ir às casas em que se vive e aos lugares em que se trabalha – residências, escritórios, fábricas, oficinas, etc. – e descer à rua e em todos os lugares, estuante de energia vital, acompanhar a vida, transmitindo as suas manifestações (…). A Rádio deixou, portanto, de ser essencialmente recreativa. A sua missão tem outro sentido, que existiu sempre mas que nunca teve tanta proeminência como agora».
A rádio, sendo o mais novo meio de comunicação até então conhecido, parente mais próximo dos jornais, procurará no início da sua vida preencher o silêncio, e fá-lo-á através de todas as formas de expressão já existentes: «(…) a rádio viveu então da leitura de jornais, poemas e trechos de obras literárias, da execução ao vivo de peças musicais por músicos contratados, da transmissão de espectáculos como concertos, óperas e peças teatrais, e ainda da abertura de seus microfones para conferências de intelectuais e eruditos».
(...)
Criámos uma nova linguagem, que nós chamávamos em mangas de
camisa, chegámos a ter uma coisa escrita na parede que dizia “se a notícia que escreveste pode ser publicada amanhã de manhã, tal e qual, no “Diário de Notícias”, então não é boa para a rádio”. E começámos a fazer experiências (…)», recordou Luís Filipe Costa. O profissional que trabalha nos noticiários, primeiramente redactor ou locutor de notícias, consoante escrevia ou lia o texto, torna-se, depois, noticiarista, concedendo voz aos seus próprios trabalhos. Aos poucos, o jornalista de rádio vai surgindo como uma nova categoria entre os “homens da rádio”, trazendo para a meio radiofónico o profissionalismo e a ética. Este novo profissional assume-se como responsável por aquilo que lê ao microfone e não como mero veículo de mensagens escritas por terceiros; distingue a publicidade, que se recusa a dar voz (embora não de princípio), da sua actividade de recolha e transmissão do que testemunha. (...)
Perante uma nova concorrente (a televisão portuguesa nasceu no dia 7 de Março de 1957), que aos poucos ia conquistando auditório durante o seu horário nobre (a noite), o mundo radiofónico ao mesmo tempo que se apercebeu das suas extraordinárias características, como a flexibilidade que lhe permitia uma rapidez impossível de obter nos outros meios de comunicação de massa, começou a explorar esta sua capacidade para ser cada vez mais imediato e instantâneo. Investindo sobretudo no sector informativo e desenvolvendo as suas especificidades linguísticas, a rádio vai respondendo à televisão, ao mesmo tempo que, nas frechas do sistema informativo, tentava transmitir, numa informação por vezes conotativa, mais notícias do que as permitidas pelo regime.


Dina Isabel Mota Cristo - Universidade Nova de Lisboa - Faculdade  de Ciências Sociais e Humanas - Lisboa, 15 de Abril de 1999
(Tese de mestrado orientada pelo Prof. Dr. Francisco Rui Cádima e apoiada pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), do Ministério da Ciência e Tecnologia, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, para obtenção do grau de mestre em Ciências da Comunicação.)

quinta-feira, agosto 02, 2012

DA RÁDIO TRADICIONAL À RÁDIO NOVA


Programação (II)


Nesta primeira metade da década introduzem-se factores dinâmicos de modernização na rádio, como a saída da cabina e a emissão nocturna, e condições humanas de desenvolvimento, como a existência de uma nova geração, formada na “Rádio Ultramarina”, percursora da rádio viva e atenta, desenvolvida designadamente por Sebastião Coelho e/ou José Maria de Almeida, e na Rádio Universidade (RU): «Para isso, reuniamo-nos pela tarde fora experimentando novos sons, nova linguagem radiofónica, novas formas de escrever para a rádio e nova locução», afirmava Adelino Gomes.
Adulta em termos técnicos, é a técnica que lhe possibilitará a renovação do discurso radiofónico, através de um novo canal autónomo do RCP que, utilizando a mais moderna tecnologia de radiodifusão, a Frequência Modulada (FM), e com uma equipa formada por uma nova vaga de jovens, irá permitir a experimentação de novas linguagens. A esta preparação técnica não é alheio o papel da Rádio Universidade na possibilidade que deu a jovens estudantes, maioritariamente universitários, de ensaiarem, desde a sua fundação, em 1950, novas linguagens técnicas e estéticas radiofónicas, dado o seu carácter totalmente amador. A RU estava na dependência da Mocidade Portuguesa, do Ministério da Educação Nacional e do Centro Universitário de Lisboa, e tinha o apoio (logístico) da EN, através da qual difundia os seus programas, primeiro através da Lisboa 2 e depois, com o mapa-tipo de 1967, da Lisboa 1.
Contribuiu assim para o surgimento de programas como o “Em Órbita”, marcado pela inovações no campo da estética radiofónica, fundado em 1965, por João Alexandre, Jorge Gil e Pedro Albergaria. Aos dois dedos de conversa oca e vazia entre equipas de dois locutores como lançamento de discos bem conhecidos do público, estes jovens estudantes, amadores de rádio, propõem uma mensagem concisa e com conteúdo: «Era uma linguagem muito sintética, substantiva, não havia divagações ou conversa para encher tempo; não havia o tal diálogo entre normalmente uma voz masculina e feminina para preencher o espaço que mediava entre dois discos». Ensaiam uma linguagem clara e directa, dita apenas por um único locutor, sobre música seleccionada, popular inglesa e folk, como a canção de protesto de Bob Dylan ou o “Soldado universal” de Donovan.
Alguns dos discos chegavam da Suíça, sendo portanto desconhecidos em Portugal; a sua transmissão era acompanhada com textos explicativos. É o início de uma rádio conscienciosa, que começa a confiar na sua peculiaridade.
Na segunda metade da década de 60, nascerá um programa que repercutirá a influência das duas características inovadoras do “Diário do Ar” e “Meia-Noite”, entretanto extintos, juntando-as num único programa, nocturno, com uma inusitada dinâmica informativa, o “PBX”, programa produzido pelos Parodiantes de Lisboa e inicialmente realizado por Carlos Cruz e Fialho Gouveia, nascido no dia 1 de Setembro de 1967.
 A rádio passa, então, a interessar-se pelo que ocorre fora das suas paredes e, mesmo à noite, dispõe-se a relatar o que vê. A rádio ensonada acorda, desperta e agita-se; rejeita a rotina e a imunidade aos imprevistos do dia–a-dia. Com enfoque na cobertura informativa, o programa explora quer o directo quer o diferido, este último em esmeradas montagens. A rádio entrega-se mais à vida.
Quando ocorrem as inundações em Lisboa, em 1968, o PBX torna-se o sistema nervoso central de informações e comunicações entre o público e as entidades oficiais, ultrapassando o seu horário normal. A rádio deixa de padecer de autismo profundo, passa a reagir. O seu ritmo e dinamismo são feitos com base em acontecimentos como a nuvem de pirilampos no dia das mentiras, um banho à meia-noite ou cantigas populares, mas a ruptura estética é profunda porque agita as águas do mar parado, mexe com o “stablishment”,torna-se incomodativa.
Os lentos sinais do despertar da rádio para a vida e para si própria, ao longo dos últimos anos do Salazarismo, desaguam já na era marcelista, quando, um pouco emancipada, reivindica uma atitude activa perante a realidade que a cerca, tornando-se mais atenta e segura. À rádio alheada da realidade e viciada no sistema “disco–anúncio-duas-tretas”, opõe-se uma nova rádio: observadora, curiosa e crítica, uma rádio com alma.
Fruto de uma ideia original do corpo redactorial e director da revista “Flama”, nasce em 2 de Janeiro de 1968, na RR, o “Página Um”, programa pioneiro ao nível das preocupações político-sociais, fundado pela citada revista, a Rádio Renascença e um elemento da empresa construtora J. Pimenta, sendo transmitido entre as 19.30h e as 21h, de segunda a sábado. Utilizando quer a doutrina social da Igreja, por um lado, quer as crónicas de estações como a BBC, a Voz da América ou a Deutche Welle, por outro, o programa autoprotege-se e, gradualmente, começa a emitir músicas e palavras seleccionadas, colando-se à “nova canção portuguesa” que, como explicava Adriano Correia de Oliveira, «surgiu em oposição a um “status quo” que nos dava apenas letras de tipo evasivo, tendentes a alhearem as pessoas dessas realidades [portuguesa actual]». Este facto é uma inovação quer em relação à quantidade, rara, quer à qualidade da música portuguesa até então habitual, já que dos 391 programas de música ligeira que a EN transmitiu, em 1965, por exemplo, Madalena Iglésias, António Calvário, Simone, Tony de Matos, António Mourão e Maria da Fé se encontravam entre os mais ouvidos. A canção de intervenção passa a fazer parte das listas de intérpretes que, algumas vezes actuavam em directo, para uma audiência constituída por cerca de 80% de jovens, de acordo com os estudos divulgados (embora não identificados), da época. As ligações de alguns elementos do programa, quer aos cantores quer às suas editoras, permitia o acompanhamento das edições do “canto livre”. «Até ao momento em que “Página Um” apareceu havia um certo medo, como que um abafar da canção social. Nós começámos a divulgar o Luís Cília (o segundo disco) e a transmitir, quase diariamente, o dr. José Afonso e o Adriano Correia de Oliveira (…). O Fausto, por exemplo, foi considerado a “Revelação do Ano 69” e o José Afonso a “confirmação 69”» comentava, José Manuel Nunes, produtor, realizador e apresentador do programa. O texto, que representava cerca de 20% da emissão, era constituído por crónicas da Assembleia Nacional (originais do jornalista Viriato Dias, lidas em directo), local de onde também chegava, clandestinamente, o som do que lá se passava, e que foi transmitido até se ter revelado interessante, mesmo após intervenção política de Marcelo Caetano em sentido contrário.
Além das crónicas menos inofensivas (havia, entre outros apontamentos de teatro, com Maria Emília Correia, de cinema, com José Vieira Marques), emitia outras de política internacional, as quais acabariam por levar à suspensão do programa, em 1972. Neste ano, o “Página Um” receberia – em ex-aequo com o “Tempo Zip” e “Vértice” - o prémio da Casa da Imprensa, atribuído, por unanimidade, com o objectivo de distinguir o esforço realizado no sentido de dar corpo a um novo conceito de rádio, baseado «(…) num trabalho colectivo de prospecção da realidade circundante». «O “Página Um”», comentava José Manuel Nunes, em 1971, «é feito por uma equipa e o nosso objectivo, como rádio, é atingir o ouvinte, não apenas sob a forma de um disco, mas alertá-lo para os problemas que o rodeiam». Mesmo que tal o aflija: «temos também de incomodar o ouvinte, não lhe dar só boas notícias,levar-lhe um pouco da realidade, mesmo que ela seja feia e desagradável».
Num programa que não foi permitido pela censura, a equipa decide fazer a cobertura da gravação de um disco de José Afonso. Nesta emissão, em que os excertos de música iniciais eram significativos, «companheiros de aventuras, vinde comigo viajar, a noite é negra, a vida é dura, não faço gosto em voltar», a apresentação do conteúdo do programa seria feito nos seguintes moldes:
«A “Página 1” teve oportunidade de estar presente, durante três sessões de gravação do último LP do José Afonso, “Venham mais cinco”, com direcção e arranjo do José Mário Branco. Assistiu às gravações Francisco Fanhais.
Os depoimentos que a “Página1” recolheu do José Afonso, do José Mário Branco e do Francisco Fanhais, não são apenas uma recolha fortuita e momentânea de afirmações despidas de significado; pelo contrário, querem mostrar quem são três dos mais significativos nomes da nova música portuguesa. Esta emissão de “Página1” preparada por João Alferes Gonçalves, José Videira e José Manuel Nunes quer ser a leitura consequente das palavras daqueles três compositores e intérpretes portugueses. Não existem acasos nesta emissão, mas pontos de reflexão e análise às afirmações produzidas.
Finalmente, esta emissão não pode ser encarada separadamente do contexto que rodeia a sua transmissão. Feito este esclarecimento, aqui está “Uma noite em Paris”».
Esta rádio nova, socialmente empenhada, contagiou não só consumidores como produtores, nomeadamente na própria RR, onde, no ano de 1970, tem início um novo programa, preocupado sobretudo com o seu conteúdo: «De parte das pessoas que fazem o TEMPO ZIP há uma preocupação de levar ao público os temas de repercussão social e, ao mesmo tempo, provocar no público uma reacção consciente ao estímulo que lhe é transmitido (…). A inércia a que o público está habituado tem sido um travão. A primeira grande dificuldade é afastar o público de um determinado tipo predominante de Rádio, mais ou menos fútil e vazio, e despertá-lo para a realidade que o deve preocupar».
Transmitido no horário entre as 0h e as 3h, o “Tempo Zip” veio ocupar as duas últimas horas da “23ª Hora” e entrar em concorrência directa com o “PBX”, do qual haviam aliás transitado dois elementos (Carlos Cruz e Fialho Gouveia).
Emitido no mesmo horário, a sua criação veio provocar no “PBX” uma reacção que se pautou por uma nova linha (a partir do dia 15 de Abril de 1970) e novos meios (como a aquisição de um helicóptero), assegurada por Paulo Cardoso, que lhe imprimiria um novo dinamismo transmitindo emissões como a de o “Eléctrico chamado PXB”.
Gabriel Valle, crítico de rádio, salientava em Junho de 1972 o papel de “Página Um” e “Tempo Zip” para o despertar de uma rádio mofa, que vivia praticamente adormecida e estagnada: «Através de operações por telefone, de reportagens no exterior, inventam o interesse no público pela existência de uma rádio que já não é simples objecto de decoração ou de acompanhamento de fundo. «Fazer rádio é a nossa forma de intervir. Fazer rádio é a nossa forma de estar no tempo. A rádio nova existe e existem pessoas que não estão na rádio para vender detergentes». Procura-se a relação do jornalista com a rádio, de uma rádio formativa e informativa.
Já passou o tempo do caixote de música e de anúncios, do locutor fulano-ignorado-e-indiferente. «A rádio é onde está presente o homem e a sua consciência, o homem e os seus problemas, o homem e o seu tempo, o homem que fale de frente. Acabou a narração do «coisa nenhuma». É o tempo de estar aqui».
A rádio, já desperta, agita-se, anima-se, injectando vida nos programas nocturnos. A noite passa a ser um horário nobre e, em 1970, a “Rádio & Televisão” reporta o fenómeno: «A rádio comercial portuguesa passa neste momento por uma fase de intensa actividade, expressa sobretudo numa ruptura com um passado ainda recente de esquema rotineiro e manso, sonolento e doce. A nova fase tem maior incidência na programação nocturna, a que ultrapassa a meia-noite, durante as horas que foram durante muito tempo consideradas mortas. Esse tempo é agora aproveitado pelas estações emissoras para o lançamento dos seus programas de maior audiência. O horário passou a ser disputado a peso de ouro pelos produtores. Num ápice, o que era noite, silêncio e quietude tornou-se vida, ritmo, actividade, bulício. Revelou-se um número considerável de ouvintes, atentos e despertos. A noite tem gente. Vibração. Nervos. Acção e sentido. Descobri-la e descobrir-se foi a palavra chave da Rádio. Modernizar-se, actualizar-se, ganhando vivacidade e consciência de si própria e dos ouvintes foi o caminho. Saiu do estúdio. Deixou o remanso dormente. Acordou e ajudou a despertar. Sacudiu insónias e roupagem descolorida. Animou-se. Começou a vestir de cores vivas. Descobriu a reportagem, a crónica, e redescobriu o disco. Dinamizou-se, acreditando que o suor é necessário ao prestígio, tornando-o sólido, vivo e verdadeiro. Escolheu um caminho. E segue-o».
Em 1970, a RR inaugura a sua emissão contínua ao lançar “Estamos consigo na madrugada”, entre as 3h e as 7h, um programa que se seguia a “Tempo Zip”, apresentado por José Manuel Nunes, e cujo lema era: «Consigo, que trabalha de noite, para que os outros possam viver de dia». Completavam-se, assim, as emissões de 24 horas diárias entre as três principais estações portuguesas: o RCP transmitia “A noite é nossa”, entre as 3h e as 6h, programa apresentado por Ruy Castelar, com o lema: «Enquanto estiver acordado, a noite é nossa!» e a EN transmitia o “programa da madrugada”, entre as 2h e as 7h, apresentado por Raul Durão, cujo lema era «Quando a noite é mais noite, dizemos bom dia».
E serão dois programas nocturnos que elevarão a contestação ao seu mais alto nível, em Abril de 1974: o “1-8-0”, iniciado no dia 21 de Setembro de 1967, transmitido entre as 22h e a 1h na Alfabeta, nos Emissores Associados de Lisboa (direcção que reunia a Rádio Peninsular e a Rádio Voz de Lisboa), e que foi distinguido com o Prémio da Casa de Imprensa, em 1972, «(…) pela sua vivacidade e pela sua preocupação de actualidade(…)», e o “Limite”, transmitido na RR, entre as 0h e as 2h, e produzido por Leite de Vasconcelos, Carlos Albuquerque, Manuel Tomás e Costa Martins, para quem o objectivo era «(…) ir até ao limite do que é possível fazer na rádio portuguesa, não exercendo, propriamente, uma função política mas despertando as pessoas para os problemas que são os seus e para os quais devemos estar de olhos abertos».

Contributo decisivo para o derrube do regime, a rádio nova fora o facto mais relevante ao longo dos anos estudados na programação da rádio portuguesa. Caracterizada por um conjunto de novas propostas, radicalmente diferentes do “status quo” radiofónico habitual, assentes em conceitos, posturas e conteúdos inovadores, apresenta um novo projecto de rádio, de ruptura com a linguagem, a técnica, a estética e a ética até então formuladas. Resultado de uma nova geração de profissionais, mais cultos, mais rebeldes e mais competentes, estes afrontam a geração anterior: «Achávamos que a rádio daquele tempo era uma rádio de mau gosto, medíocre, desinteressante, feita por gente completamente instalada, escribas sentados, conformados com os seus patrões, com a estética dominante (…) era a rádio de família, uma rádio do regime, acética, pura, quer dizer… mentirosa. E quando nós vamos para lá e vamos perguntar às pessoas se gostaram do filme e uma Maria diz uma coisa qualquer, e não é um crítico, isto vem implicar trazer para a rádio um pouco da verdade e não da ilusão de um mundo que não existia». Estes novos profissionais transportam para a rádio uma forma de estar e viver diferente e fazem um corte com a rádio tradicional, produzida por Gilberto Cotta e/ou Armando Marques Ferreira. Há um combate entre concepções divergentes; luta-se pela introdução dos novos ritmos musicais estrangeiros, por dar voz ao cidadão comum, por falar em cima dos discos. É a inovação formal, «(…) mas isso era, na dureza do regime [salazarista], uma coisa completamente perigosa (…)». É uma rádio de intervenção estética e, nesse sentido, era já política, porque agitava, incomodava, fazia perigar a situação instalada, agitava as ondas radiofónicas. A procura de perfeição levava a que uma simples mistura de discos significasse algo mais; além de agradável, auditivamente interessante, original e criativo, consubstanciava implicitamente um conteúdo. O expoente desta rádio temática, muito mais preocupada com os autores das canções do que com os seus intérpretes, e que vai tentando alargar ao máximo o seu leque de assuntos abordados acontece durante o marcelismo. No “Tempo Zip”, houve crónicas sobre Portugal com Agostinho da Silva, revista de imprensa com Joaquim Letria, poesia com Alexandre O`Neill, urbanismo com Nuno Portas. O desejo de rompimento foi profundo e consequente.


Dina Isabel Mota Cristo - Universidade Nova de Lisboa - Faculdade  de Ciências Sociais e Humanas - Lisboa, 15 de Abril de 1999
(Tese de mestrado orientada pelo Prof. Dr. Francisco Rui Cádima e apoiada pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), do Ministério da Ciência e Tecnologia, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, para obtenção do grau de mestre em Ciências da Comunicação.)