A actividade informativa
A informação, que já se havia revelado ao
nível da programação um dos principais meios de refrescamento da rádio,
inicialmente ao nível formal e posteriormente também ao nível dos conteúdos,
torna-se no principal motor de desenvolvimento do meio radiofónico.
Em 1967, a crítica aplaude «(…) a evolução
marcante que se pressente em todos (ou quase) os programas da noite da nossa
rádio. Toda a gente parece andar de máquina na mão em busca da notícia. Será
que, de repente, a rádio decidiu vir, finalmente, para a rua? Viva a iniciativa
e toca a entrevistar.
Neste modelo inclui-se o “PBX” cujos
elementos «Dão reportagem. Dão acontecimento. Dão vida. Têm irreverência e
atrevimento».
(...)
Ao longo dos anos, a informação “noticiosa”
descobrirá a sua compatibilidade com o meio radiofónico e adaptar-se-á a ele,
crescendo em quantidade e em qualidade. A rádio revelará as potencialidades da
informação e esta as idiossincrasias da rádio, tentando respeitá-las. E se em
1960, o sector da informação parecia à crítica, ainda dedicado ao ostracismo,
ganhando apenas vida, normalmente, quando os jornais saíam para a rua, a
excepção do “Diário do Ar”, onde alguns dos grandes acontecimentos foram
divulgados sem se esperar pela saída dos jornais, como ocorreu com a cobertura
da inauguração do metropolitano, em Lisboa, prometia alterações.
Registava-se já o interesse pela exploração
da informação na rádio, através de realizações como o “Rádio Jornal”, programa
vespertino de duas horas, emitido pelo emissor de Miramar do RCP, entre as
15h15m e as 17h20m, de segunda a sexta-feira, um autêntico jornal radiofónico
onde a notícia, a reportagem e a música se conjugam, realizado pelo Radio Press
Office (RPO). Esta produtora independente, publicitária, estimulará a produção
de carácter informativo. Com a colaboração de Paulo Cardoso, chefe dos serviços
de produção, em 1963, a RPO passará pela adopção de uma nova estratégia: «A «Nova
Linha» é um estilo novo. Mais sintetizado, mais dinâmico – como a vida actual –
mais incisivo». Nela trabalhará Maria Helena Mensurado, a primeira jornalista
radiofónica, ao redigir e dar voz aos apontamentos “Primeiras Páginas” do
programa “Gazeta da Manhã” e alguns “Falando francamente” de “Os donos da
noite”.
A repartição da informação, incluída desde
1957, na direcção dos serviços de programas e, desde 1969, na divisão de
programação, vai-se, contudo autonomizando aos poucos dos programas e revelando
a importância progressiva dos serviços de noticiários. Inserido neste
movimento, Luís Filipe Costa, que havia sido chefe de redacção da Agência de
Publicidade Artística (APA), é incumbido por Júlio Botelho Moniz e Álvaro
Jorge, director de programas do RCP, de criar um serviço de noticiários
apelativo que agradasse aos ouvintes. O objectivo era fundar um serviço
concorrente e alternativo à Emissora Nacional, por um lado, e lucrativo,
expandindo a publicidade até aos noticiários, por outro.
Iniciado já nas novas instalações da
Sampaio e Pina, em 1960, a nova “fábrica de novidades” revolucionará a
linguagem radiofónica, tornando obsoletos os noticiários baseados em textos
escritos, sem prévio tratamento adequado à linguagem específica da rádio, bem
como a simples leitura de notícias ao microfone; para além de encetar um
tratamento das informações disponíveis adequado ao “media” radiofónico, era o
próprio profissional que as levava ao microfone.
(...)
Em 1962, a “Rádio & Televisão”
reportava: «Filipe Costa (e os colegas da equipa dos noticiários seguem o
exemplo) transforma, diariamente, as informações das agências que os “Telex”
batem a todo o instante, em apontamentos incisivos, vivos, espantosos de
precisão e de análise instantânea dos acontecimentos (…). O noticiário das
0.45, valorizado pela própria voz do seu autor, foi, afinal, buscar à linguagem
telegráfica o esquema de concepção ideal para uma informação radiofónica,
necessariamente rápida, nervosa, concreta». Recolhendo informação, através de
telex e/ou de telefone, Luís Filipe Costa introduz a síntese, informação já
devidamente seleccionada e tratada, dando corpo a uma nova entidade
eminentemente radiofónica, independente quer dos jornais quer das informações
escritas, numa «(…) “nova linguagem” informativa, incisiva, directa, última
hora», como explicava João Paulo Guerra, um dos elementos da equipa (da qual
também faziam parte Adelino Gomes, Cândido Mota, Duarte Ferreira, Fernando
Quinas, Firmino Antunes, Joaquim Furtado, Jorge Dias, Manuel Bravo, Moura
Guedes, Paulo Fernando e Rui Pedro).
(...)
Conforme a equipa aperfeiçoava a sua
técnica de transmitir mais do que um conteúdo numa mesma mensagem, aquele que
se noticiava e o que se queria transmitir, as primeiras notícias do dia iam-se
tornando numa audição de culto para os ouvintes que, mais atentos, rasgavam nas
frechas da informação, através de metáforas, polissemias e justaposições, a
contestação ao regime: «Utilizava muitos símbolos, títulos de jornais para
começar as notícias. Quando a LUAR assaltou o banco na Figueira da Foz, a
notícia foi inicialmente cortada, eu não a podia dar, mas no boletim
meteorológico [disse] “então amanhã saiam com gabardinas”. Pausa expressiva.
“Mas felizmente há luar!”. E acabou assim o noticiário».
A resposta do “homem-notícia”, como ficara
conhecido o chefe dos serviços de noticiários do RCP, constituiria uma profunda
transformação da concepção informativa radiofónica, obtendo em 1966, pelos
mesmos, o Prémio Ondas, um prestigiado galardão espanhol que se destinava a
distinguir os mais destacados profissionais e programas de rádio, que já fora
anteriormente atribuído a Maria Leonor, Jaime da Silva Pinto e Mary.
(...)
Em 1964, o “Programa da Noite”, da EN
adopta o slogan “As notícias chegam e vão direitas ao seu receptor”:
«Deixaram-se para trás as fórmulas tradicionais, rígidas, e talvez um pouco
solenes. «Programa da noite», em íntima colaboração com os serviços respectivos
da EN, apresenta agora a notícia em cima da hora. Nada de protocolos, a
antecipação conta perante a oportunidade que se pode perder». A rádio veste-se
de diário sonoro.
(...)
Fernando Peres anota: «Como o diário, a
Rádio divulga, informa, aconselha, orienta, critica. A Rádio é a imprensa sem
tinta, sem rotativa, que substitui pela voz e pelo som, pela técnica radiofónica
de transmissão». O mesmo crítico aponta, ainda, em 1963: «Começa a haver
jornalismo na Rádio. Um jornalismo actuante.
Os Repórteres da Rádio estão atentos.
Aparecem «em cima do acontecimento». As brigadas de Rádio Clube Português e da
RPO têm marcado posição de relevo». O projecto do programa “Contacto”, que
veio, efemeramente a substituir o transitório “Europa”, protagonista de uma
postura mais descomprimida ao microfone, ia no sentido de ser o primeiro jornal
que saía para a rua, com a diferença de não ser escrito, mas falado e com
especial ênfase na reportagem.
Contrastando com os serviços próprios do
Rádio Clube Português, os noticiários da Rádio Renascença eram baseados na
leitura de jornais: «A Renascença nessa altura estava a colar notícias do
“Novidades” e do “Diário de Notícias” numa folha, às 12h 45m da tarde, e
acabou. Não havia mais nada!».
Será nos anos 70 que a Rádio Renascença
tentará lançar um novo serviço informativo, concorrencial ao RCP. Iniciado no
dia 16 de Outubro de 1972, foi pela primeira vez transmitido no dia 23
seguinte, prolongando o seu período experimental até ao dia 16 de Dezembro. A
Renascença passou, então, a dispor de seis serviços (manhã, almoço, jantar e
noite, resumindo as últimas horas, e 11h e 17h, de actualidade). Porém, quer o
impulso quer a qualidade será breve; se em Fevereiro de 1973, a equipa, com
oito pessoas, menos uma que inicialmente, produzia mais de 200h de informação
semanal, quatro meses mais tarde, reduzidos a três pessoas, os serviços
produziam 120 horas, sem reportagens e com raros comentários, por sua vez menos
ágeis e intervenientes. Desaparecem os apontamentos regulares e diários e de
aliciante restava apenas o noticiário das 19h; a falta de recursos humanos
especializados era o motivo apontado: «Não existem, neste momento, no meio
radiofónico, profissionais preparados para exercer estas funções. Somos
obrigados a recrutá-los nos meios jornalísticos, ou entre pessoas sem
experiência prévia», explicava João Alferes Gonçalves que assegurava a chefia
dos noticiários, após a saída de Carlos Cruz, em Fevereiro.
Por seu lado, a EN, que se tentará afastar
da imagem de “diário sonoro do Governo”, reflectirá o peso e a importância da
actividade informativa quando introduz os mapa-tipo de 1960 e 1967, este último
experimental, altura em que ressurge o “Jornal de Actualidades” às 22h 30,
tornando-se definitivo em 1968, quando são ajustados os horários dos então 20
serviços de notícias para intervalos de uma hora, uma consequência da
preocupação pelo aumento constante da quantidade de serviços informativos. No
início da década de 60, ainda se permitirá reforçar a sua componente de longa
duração, reforçada pela variedade: «Eles tinham noticiários impressionantes com
a riqueza de registos magnéticos. Gravavam tudo o que era do regime. Os
noticiários eram qualquer coisa a sério. O conteúdo é que era aquele que era,
mas tecnicamente irrepreensível. Cobriam o regime todo e arredores; as
“cidades”, “região”, tudo e mais alguma coisa; bem feito».
No final da década, a Emissora Nacional
seguirá antes uma política de maior brevidade ao propor serviços informativos
preferencialmente curtos e dinâmicos e quando no final de 1968, Jorge Guerra
faz o balanço do ano informativo conclui que há sintomas animadores «de uma
maior síntese e tratamento das notícias».
(...)
o início da década de 70, a informação havia
adquirido um novo estatuto e uma nova importância: «A Rádio, longe, portanto,
de ter esgotado as suas possibilidades, adquiriu pujança e vitalidade, fez-se
instrumento activo e indispensável da informação. Adoptou, bem entendido, novas
fórmulas. Quer dizer: evolucionou acompanhando a marcha do tempo. Mas nesta
transformação não perdeu características nem diminuiu a importância do seu
valor social. Teve apenas de se adaptar à sua condição de informadora, deixando
de se confinar aos estúdios para ir às casas em que se vive e aos lugares em
que se trabalha – residências, escritórios, fábricas, oficinas, etc. – e descer
à rua e em todos os lugares, estuante de energia vital, acompanhar a vida,
transmitindo as suas manifestações (…). A Rádio deixou, portanto, de ser
essencialmente recreativa. A sua missão tem outro sentido, que existiu sempre
mas que nunca teve tanta proeminência como agora».
A rádio, sendo o mais novo meio de
comunicação até então conhecido, parente mais próximo dos jornais, procurará no
início da sua vida preencher o silêncio, e fá-lo-á através de todas as formas
de expressão já existentes: «(…) a rádio viveu então da leitura de jornais,
poemas e trechos de obras literárias, da execução ao vivo de peças musicais por
músicos contratados, da transmissão de espectáculos como concertos, óperas e
peças teatrais, e ainda da abertura de seus microfones para conferências de
intelectuais e eruditos».
(...)
Criámos uma nova linguagem, que nós chamávamos
em mangas de
camisa, chegámos a ter uma coisa escrita na
parede que dizia “se a notícia que escreveste pode ser publicada amanhã de
manhã, tal e qual, no “Diário de Notícias”, então não é boa para a rádio”. E
começámos a fazer experiências (…)», recordou Luís Filipe Costa. O profissional
que trabalha nos noticiários, primeiramente redactor ou locutor de notícias,
consoante escrevia ou lia o texto, torna-se, depois, noticiarista, concedendo
voz aos seus próprios trabalhos. Aos poucos, o jornalista de rádio vai surgindo
como uma nova categoria entre os “homens da rádio”, trazendo para a meio
radiofónico o profissionalismo e a ética. Este novo profissional assume-se como
responsável por aquilo que lê ao microfone e não como mero veículo de mensagens
escritas por terceiros; distingue a publicidade, que se recusa a dar voz
(embora não de princípio), da sua actividade de recolha e transmissão do que
testemunha. (...)
Perante uma nova concorrente (a televisão
portuguesa nasceu no dia 7 de Março de 1957), que aos poucos ia conquistando
auditório durante o seu horário nobre (a noite), o mundo radiofónico ao mesmo
tempo que se apercebeu das suas extraordinárias características, como a
flexibilidade que lhe permitia uma rapidez impossível de obter nos outros meios
de comunicação de massa, começou a explorar esta sua capacidade para ser cada
vez mais imediato e instantâneo. Investindo sobretudo no sector informativo e
desenvolvendo as suas especificidades linguísticas, a rádio vai respondendo à
televisão, ao mesmo tempo que, nas frechas do sistema informativo, tentava
transmitir, numa informação por vezes conotativa, mais notícias do que as
permitidas pelo regime.
Dina Isabel Mota Cristo - Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Lisboa, 15 de Abril de 1999
(Tese de mestrado orientada pelo Prof. Dr. Francisco Rui Cádima e apoiada pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), do Ministério da Ciência e Tecnologia, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, para obtenção do grau de mestre em Ciências da Comunicação.)
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