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segunda-feira, junho 18, 2012

Pão Comanteiga



"Programas destes são absolutamente irrepetíveis. E essa Rádio que, no início dos oitenta, mais ninguém fazia assim, também é completamente irrecuperável. Nada a fazer."
"São realmente textos tão surpreendentes que ainda hoje vivem por si, como se fossem fulgurantes retratos de fantasia e permanecem como então, à frente do tempo dos próprios fotógrafos… " 

José Nuno Martins


O ANO DE 1980 VISTO PELO JORNAL EXPRESSO

Um país inteiro, ainda à procura de rumo, entretém-se a dar voltas ao cubo de faces coloridas inventado pelo húngaro Rubik. Há uma solução correcta entre 43,2 quinquilhões de possibilidades...
A cores é agora a TV, que passa Dallas («quem matou J.R.?»).
Em concertos de música brasileira nunca houve tanta fartura: Milton Nascimento, Chico Buarque, Simone na Festa do «Avante!».
Na Rádio Comercial há Pão com manteiga (Carlos Cruz), Lugar ao sul (Rafael Correia) e Café concerto (Maria José Mauperrin).
Rui Veloso funda o rock com Chico Fininho e Marco Paulo confessa-se (Eu tenho dois amores). Victor Espadinha ainda fala aos corações (Recordar é viver) e as Doce fazem sucesso (Amanhã de manhã). Eternos são Amália (Gostava de ser quem era) e John Lennon (Woman). Babooska (Kate Bush) e Enola Gay (OMD) são outros sons que andam no ouvido.
Já chegou o CD, mas ainda em fita vemos Apocalypse Now, Kramer contra Kramer, A Sombra do Guerreiro e Manhã Submersa.
E Com um brilhozinho nos olhos (Sérgio Godinho) lemos O Nome da Rosa (Umberto Eco).

Equipa Inicial: Carlos Cruz, José Duarte, Mário Zambujal, Orlando Neves, Bernardo Brito e Cunha, Eduarda Ferreira;

Que viria depois a ser renovada para as segunda e terceira épocas:  Carlos Cruz, José Duarte, Mário Zambujal, Artur Couto e Santos, Clara Pinto Correia, Luis Macieira, José Fanha e João Miguel Silva. 

“Foi o programa que abriu o caminho para as modernas formas de humor a que hoje somos por cá expostos, embora me permitam que eu diga que era tão “à frente” que ainda não se chegou aquele nivel outra vez, mesmo que haja humor muito bom por aí à solta, e moderno.

Tinha influências da Mad, dos Monty Python e foi um brilhante exercício de liberdade. Porque o humor antes do 25 de Abril não era assim, e este era espantosamente afastado das tricas politicas que típicas desses primeiros anos a seguir à ditadura. O programa ainda gerou um pequeno império de spin-offs, com a publicação de 2 livros (antologias de piadas e sketches que tinham ido para “o ar”) e uma revista brilhante, cheia de material extra-programa, que embora eu não recorde a quantidade de números publicados, penso que devem ter andado por volta dos 20, ...

O que interessa: era 1980, ... a rádio era o meio de comunicação mais inovador e vanguardista da época, para isso bastando dar uma pequena olhadela ao menu de programas que então surgiram. Musicalmente, desde finais dos anos 70 que a Rádio Comercial era “a” estação a ouvir para quem era ainda jovem, mas não só.

Religiosamente, qual missa dominical, das 10 às 13 horas, não é que o país parasse como para ver a Sónia Braga subir ao telhado de seu Nacib um par de anos antes, mas pelo menos muitos de nós parávamos para ouvir as vozes de Carlos Cruz e José Duarte, mais aquele do que este.

Pela qualidade incrivelmente consistente dos programas semanais com três horas, quase sem qualquer ponto baixo, não há qualquer hipótese de comparação, a não ser O Tal Canal, mas mesmo assim com alguma margem de avanço para os amanteigados. Nos jornais havia então o aparecimento do Miguel Esteves Cardoso (Música&SomSe7e), que também marcaria toda a década, mas nada é comparável ao Pão Comanteiga, que me desculpem os incrédulos ou desconhecedores.

Em casa, já se sabia que o rádio a pilhas estava reservado todas as manhãs de Domingo, mesmo que a família saísse para qualquer volta maior ou menor. Não me lembro de nada comparável, que me tenha deslumbrado de forma tão completa em matéria de comunicação social e de humor em português.

“Nem sempre o pecado mora ao lado; gasta-se um dinheirão em transportes.”

“Cada vez há menos gente que tenha conhecido D. Afonso Henriques.”

“Quando a luxúria é cometida com uma grande limpeza, chama-se lascívia.”

“Um peixinho vermelho, mergulhado em água a ferver, perde rapidamente a cor.”

Nunca abotoe um botão de um elevador em andamento…

Há várias maneiras de um homem se abotoar. Por exemplo: com milhares de contos!

Homem desabotoado vale por dois!

-Tem-se abotoado bem, ele… ah...!?
-Pois: abotoou-se e depois habituou-se…

Os Hunos foram os primeiros a considerarem-se hunos e indivisíveis. Indivisíveis porque eram primos.

As receitas dos médicos são as despesas dos doentes.

Um semideus é deus da cintura para cima ou da cintura para baixo?

Um domingo nunca vem só: traz a semana inteira.

As pilhas podem dar à luz: pilha és, mãe serás!

Até o tempo mal empregado se desconta para a Caixa!

Penso, logo rápido.

Uma carta de apresentação apresenta-se bem e o defeito que tem é ser tão usada.

Uma mulher fartava-se de lhe dizer:
- Não te Descartes marido, não te Descartes…
Ficou célebre como filósofo e matemático do século XVII…

Um carteiro quando faz batota, mete as cartas do 1º. esquerdo no 4º. frente.

Quando a família real joga às cartas todos estão proibidos de dizer: - Só me saem duques!








http://temposvontades.blogspot.pt/2009/10/pao-com-manteiga-iv.html
http://temposvontades.blogspot.pt/2009/10/mario-zambujal-e-c-pao-com-manteiga-2.html
http://innerspace22.wordpress.com/2009/08/12/relembrando-o-pao-com-manteiga/
http://www.coiso.net/velhocoiso/comentarios.html
http://coisasdonossosotao.blogspot.pt/2012/02/revistas-pao-com-manteiga.html






domingo, junho 03, 2012

As causas do Coiso


A 7 de Março de 1975 saía o primeiro número de "O Coiso", o "semanário de maior penetração no país".

A ideia partiu de um grupo de pessoas que se entendiam já há algum tempo: o Álvaro Belo Marques, o Ruy Lemus, o Mário-Henrique Leiria, o Carlos Barradas, o José António Pinheiro e eu próprio.

"O Coiso" nasceu dependente do diário "República", custava 5 escudos cada exemplar e, na sua "Declaração de Princípios", dizia "que as pessoas, já de si chatas, estão agora muito chatas, e levam-se cada vez mais a sério".

Estávamos em pleno "prec", toda a gente era revolucionária e o riso poderia ser considerado uma cedência à reacção. Embora, finalmente, tivesse terminado a censura, graças ao "glorioso 25", havia coisas de que se não falava, por pudor revolucionário.

Vai daí, logo no primeiro número, "O Coiso" inseria uma entrevista com Hitler. A capa do nº 2 exibia uma foto de Pinochet afirmando que não usava monóculo. A capa do nº 3, que coincidiu com a fuga de Spínola para o Brasil na sequência do 11 de Março, mostrava uma fotomontagem do rosto do general no corpo musculado de banhista, com o título "Copacabana tem novo cabo do mar". Foi talvez a primeira vez que alguém utilizou fotomontagens na imprensa portuguesa, e estas bem artesanais, com tesoura e cola. A capa do nº 4 mostrava uma fotomontagem de Salazar dançando com uma dama, sob o título "A Vida amorosa do dr. Salazar". O nº 5 perguntava na capa: "Kissinger comunista?" e mostrava uma fotomontagem do dito com uma foice e um martelo nas mãos. O nº 6 garantia que "O Coiso" tinha entrevistado um ex-funcionário da CIA. No nº 7, mais precisamente na última página, o leitor era convidado a ir à merda. O nº 8 foi dedicado às eleições legislativas e o nº 9 ensinava a jogar aos monopólios. A capa do nº 10 mostrava uma fotomontagem de Marcello Caetano com asas de anjo, cantando "sou fascista e só por isso, entreguei-me todo a Cristo..." Finalmente, o nº 11 garantia, na capa, que "O Coiso é o único jornal que mente deliberadamente". Puras provocações...

Assim, a 16 de Maio, saía o último número da primeira série de "O Coiso". Vocês não fazem ideia do que a gente se fartou de rir a fazer "O Coiso"... Depois, aconteceu a crise no jornal "República", que acabou por fechar as portas.
Mais tarde, em Novembro de 1976, ainda saíram mais dois números de "O Coiso", mas a chama já se tinha apagado...

Passaram-se 24 anos. O Mário-Henrique já não está entre nós e, dos outros, fui perdendo o rasto. Mas o espírito do Coiso ainda por cá anda. Por isso decidi meter o Coiso na net. Por que não?...

Depois de "O Coiso", colaborei em muitos outros projectos: "Pão Comanteiga", programa de rádio, revista semanal e suplemento de "A Capital", "Uma Vez por Semana", o primeiro programa sexual na rádio portuguesa, "Contra-Ataque", "Os Intocáveis" e "Programa da Manhã", todos na rádio, os jornais "Pau de Canela" e "O Bisnau", "A Quinta do Dois", "Lá em casa tudo bem", "1,2,3" e "Zona Mais", na televisão, e ainda a peça de teatro "Quem tramou o comendador?". Além de tudo isto, ainda tive tempo para ser médico de família.

Enfim, entre "O Coiso" e "O coiso na net" existe apenas um link, que sou eu próprio.

Em "O coiso na net", poderá encontrar "histórias pouco clínicas", que tenho escrito ao longo destes quase 15 anos como médico de família e que se encontram publicadas em dois livros de circulação restrita: "Cinquenta histórias pouco clínicas mas muito cínicas" e "É preciso muita saúde para ser tão doente"; histórias exemplares, contos curtos e outros textos que escrevi desde 1973, e que foram sendo publicados em diversas sítios; "aforismos do coiso", frases curtas, sobretudo do "Pão Comanteiga"; e "o coiso dia a dia", comentários ao que se vai passando por aí.

Divirtam-se, que eu também...

Artur Couto e Santos in "O Coiso"


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