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domingo, junho 03, 2012

As causas do Coiso


A 7 de Março de 1975 saía o primeiro número de "O Coiso", o "semanário de maior penetração no país".

A ideia partiu de um grupo de pessoas que se entendiam já há algum tempo: o Álvaro Belo Marques, o Ruy Lemus, o Mário-Henrique Leiria, o Carlos Barradas, o José António Pinheiro e eu próprio.

"O Coiso" nasceu dependente do diário "República", custava 5 escudos cada exemplar e, na sua "Declaração de Princípios", dizia "que as pessoas, já de si chatas, estão agora muito chatas, e levam-se cada vez mais a sério".

Estávamos em pleno "prec", toda a gente era revolucionária e o riso poderia ser considerado uma cedência à reacção. Embora, finalmente, tivesse terminado a censura, graças ao "glorioso 25", havia coisas de que se não falava, por pudor revolucionário.

Vai daí, logo no primeiro número, "O Coiso" inseria uma entrevista com Hitler. A capa do nº 2 exibia uma foto de Pinochet afirmando que não usava monóculo. A capa do nº 3, que coincidiu com a fuga de Spínola para o Brasil na sequência do 11 de Março, mostrava uma fotomontagem do rosto do general no corpo musculado de banhista, com o título "Copacabana tem novo cabo do mar". Foi talvez a primeira vez que alguém utilizou fotomontagens na imprensa portuguesa, e estas bem artesanais, com tesoura e cola. A capa do nº 4 mostrava uma fotomontagem de Salazar dançando com uma dama, sob o título "A Vida amorosa do dr. Salazar". O nº 5 perguntava na capa: "Kissinger comunista?" e mostrava uma fotomontagem do dito com uma foice e um martelo nas mãos. O nº 6 garantia que "O Coiso" tinha entrevistado um ex-funcionário da CIA. No nº 7, mais precisamente na última página, o leitor era convidado a ir à merda. O nº 8 foi dedicado às eleições legislativas e o nº 9 ensinava a jogar aos monopólios. A capa do nº 10 mostrava uma fotomontagem de Marcello Caetano com asas de anjo, cantando "sou fascista e só por isso, entreguei-me todo a Cristo..." Finalmente, o nº 11 garantia, na capa, que "O Coiso é o único jornal que mente deliberadamente". Puras provocações...

Assim, a 16 de Maio, saía o último número da primeira série de "O Coiso". Vocês não fazem ideia do que a gente se fartou de rir a fazer "O Coiso"... Depois, aconteceu a crise no jornal "República", que acabou por fechar as portas.
Mais tarde, em Novembro de 1976, ainda saíram mais dois números de "O Coiso", mas a chama já se tinha apagado...

Passaram-se 24 anos. O Mário-Henrique já não está entre nós e, dos outros, fui perdendo o rasto. Mas o espírito do Coiso ainda por cá anda. Por isso decidi meter o Coiso na net. Por que não?...

Depois de "O Coiso", colaborei em muitos outros projectos: "Pão Comanteiga", programa de rádio, revista semanal e suplemento de "A Capital", "Uma Vez por Semana", o primeiro programa sexual na rádio portuguesa, "Contra-Ataque", "Os Intocáveis" e "Programa da Manhã", todos na rádio, os jornais "Pau de Canela" e "O Bisnau", "A Quinta do Dois", "Lá em casa tudo bem", "1,2,3" e "Zona Mais", na televisão, e ainda a peça de teatro "Quem tramou o comendador?". Além de tudo isto, ainda tive tempo para ser médico de família.

Enfim, entre "O Coiso" e "O coiso na net" existe apenas um link, que sou eu próprio.

Em "O coiso na net", poderá encontrar "histórias pouco clínicas", que tenho escrito ao longo destes quase 15 anos como médico de família e que se encontram publicadas em dois livros de circulação restrita: "Cinquenta histórias pouco clínicas mas muito cínicas" e "É preciso muita saúde para ser tão doente"; histórias exemplares, contos curtos e outros textos que escrevi desde 1973, e que foram sendo publicados em diversas sítios; "aforismos do coiso", frases curtas, sobretudo do "Pão Comanteiga"; e "o coiso dia a dia", comentários ao que se vai passando por aí.

Divirtam-se, que eu também...

Artur Couto e Santos in "O Coiso"


Próximo artigo: Pão com Manteiga

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